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Salar de Uyuni, a  viagem de quatro dias que esperou três anos

 

Em dezembro de 2012, me despedi de San Pedro do Atacama, com a lágrima rolando livre pelo rosto. Havia passado cinco dias espetaculares em uma fase da vida em que precisava muito de uma folga do meu CPF, foi praticamente como tirar férias da própria voz, foram dias sozinhas sem solidão. Seis meses depois eu estava mudando de emprego e arrumando a vida. Por que digo a viagem esperou três anos? Ora... Porque esticar até à Bolívia era plano desde a viagem de 2012.


Primeira parada: Santiago, onde fizemos o básico, já que foi minha terceira vez na capital chilena. Para chegar à San Pedro, pegamos um vôo de duas horas de Santiago até Calama e de Calama um transfer até San Pedro, que durou mais ou menos uma hora, por uma estrada que corta o deserto e que mais uma vez me fez ficar boquiaberta. Ficamos hospedados no Don Raul, excelente hotel localizado na Calle Caracoles, principal rua da cidade, que foi muito melhor opção do que o hotel que fiquei na minha primeira viagem, com café da manhã bem estruturado, staff atencioso, água quente, lençois de algodão, limpeza diária e wifi meia bomba. Já no dia da chegada, fizemos a reserva para o tour de Uyuni que aconteceria dois dias depois e enquanto esperávamos o grande dia, fomos aproveitar o que dava no Atacama: os Geiser del Tatio, Laguna Cejar, Olhos de Salar e Laguna Tebinquinche. Em três anos, algumas coisas mudaram: passaram a cobrar visitação em locais que eram livres e a última laguna já não permitia mais a aproximação do espelho de sal. Frustrante. Em compensação, conseguir ir às Termas de Puritama, que na minha primeira visita estavam fechadas, valeu muito, principalmente para um relax pós Uyuni.


Chegou o grande dia: rumo ao grande salar!!! O roteiro saiu conforme indicado na agência, mas é claro que na prática as coisas não acontecem de acordo com a expectativa, às vezes até superando. Abaixo, vou colocar  alguns comentários extraídos de blogs, das dicas de agências e de amigos que fizeram os roteiros e em seguida vou colocar o meu ponto de vista.


* Primeiro abrigo é o pior de todos, o mais frio e pior estrutura.
Eu, pessoalmente, achei o melhor de todos, ainda que tenha sido a única noite sem banho. O frio é muito mais intenso externa que internamente. Há uma varanda fechada, que reduz o impacto do vento e onde são feitas as refeições, sendo o local de convívio geral de todos os carros que param e aí é muita gente, porque são seis pessoas por carro. Ficamos em um dormitório com seis camas, exatamente com as pessoas que já estavam no carro por oito horas. Tivemos sorte porque já formavámos um grupo de quatro antes do tour e as duas agregadas, em dois minutos de viagem, já haviam virado amigas intímas. Ou seja, no fundo, são as pessoas que fazem a diferença! Nesse abrigo fizemos quatro refeições: o almoço do primeiro dia, que foi salada de tomate, pepino, abacate, salsicha (de lhama, que ninguém sabia e comemos sem dó) e purê de batatas, lanchinho da tarde com café, chá e rosquinhas, jantar com sopa de legumes e macarrão e o café da manhã seguinte com pão, panquecas, geléia, manteiga, café, leite e chás. Tudo simples, mas completamente eficiente para um tour em que já sabíamos que não seria de 5 estrelas.  Nesse abrigo só tem eletricidade por duas horas à noite, ou seja, esqueça a possibilidade de carga das baterias. O banheiro era misto, mas limpo e o banho foi substituído por lenços umedecidos e uma dose a mais de desodorante. Em suma, superou muito as expectativas.


* Uau, vamos ficar em um hotel de sal!!!!!
Bem... o hotel de sal, localizado no povoado de San Juan, é agregado à casa de uma família, que cuida dos quartos, alimentação e etc. Por fora não tem nada de emocionante, com tijolos à mostra e uma sensação de precariedade. Por dentro, tudo de sal, paredes, chão, mesas e bancos. O sal no chão é irritante, porque nos quartos não há uma bancada para as mochilas que ficam cheias de pó. O banheiro é coletivo, imundo. Mas a necessidade de um sabonete era tão grande que eu descartei a possibilidade de ficar uma segunda noite sem banho. Peguei um chinelo tamanho 43 emprestado (esqueci o meu na mala que ficou em San Pedro) e fui à luta!  A ducha era quente, pelo menos!!! O jantar era sopa, arroz e um prato com fritas, carne, tomates, pimentões e ovos cozidos. Estava com uma cara ótima, mas abrimos mão da carne quando descobrimos que era lhama. Uma garrafa do vinho chileno Santa Rita acompanhou como presente. Mamamos a garrafa, ficamos na sopa e catamos o que dava das batatas e tomate, afinal, lhamas são como "perros". Em suma, nesse dia todo o glamour dos blogs sobre o hotel de sal, derrubou as expectativas. De qualquer forma, foi bom chegar, porque esse foi o único dia que a altitude deu trabalho com uma dor de cabeça insistente.

 

* Último abrigo, retorno a San Pedro.
O último abrigo, já no retorno a San Pedro fica em Villa Mar, um povoado minúsculo no meio do nada. De novo, banho quente pagando 10 pesos bolivianos (R$ 6,00), estaria valendo até se cobrassem 10 dólares, porque depois de um dia inteiro em contato com muito sal, sol e poeira da estrada, vale cada centavo. Mesmo esquema do primeiro abrigo, um varandão comum a todos os quartos, que agora vinham com a disposição de três camas de solteiro.  Jantar: macarrão e molho bolonhesa à parte, ainda bem, porque provavelmente era carne moída da nossa amiga da família dos camelos!!! Prova disso, era que o cachorro do abrigo estava roendo uma pata de lhama!!! Em suma, o banho quente foi a única grande diferença do primeiro, superando as expectativas.

 

E sou do tipo que estou acostumada a viajar no baixo custo operacional e o que me importa em geral é um chuveiro quente, um banheiro limpo e uma roupa de cama decente. Não sou nada fresca. E o tour Atacama x Uyuni, definitivamente, não pode ser feito por gente fresca, a não ser que seja gente fresca rica, porque parece que existe um tour mais confortável pela bagatela de 2.400 doletas contra 190 doletas que pagamos. Vai da disponibilidade de bolso.
 

Agora que falei dos abrigos, que é o calcanhar de aquiles da viagem,  vou falar sobre a viagem de uma forma geral. Tour contratado em San Pedro, fizemos pela World White Travel, seguindo a indicação de um amigo que é guia local que também tinha dado a opção da Cordillera Travel (um pouco mais barata) e que pelo que vimos ao cruzar com eles à noite, parecia ser um pouco melhor, mas nada muito significativo, já que são os mesmos abrigos, a mesma comida e os mesmos bolivianos!!! 


Às 8 da manhã, um micro ônibus nos pegou na porta do hotel com destino à fronteira, paramos antes na aduana chilena para fazer o processo burocrático de saída do Chile. Uma hora mais de estrada e chegamos à fronteira para fazer a entrada no posto boliviano e ali começamos a ter ideia da diferença de estrutura da Bolívia:  é simplesmente um quadrado no meio do nada, com dois funcionários, sem computadores e um retrato de Evo Morales na parede. Carimbo no Passaporte e escrito à mão "ST" ou seja "Sin Tarjeta", que quer dizer que o posto não tem controle informatizado. Ao redor, a turistada toda alvoroçada para começar a grande aventura, os motoristas já em cima dos carros para colocar a bagagem que só é descarregada nos abrigos, a carga é toda fechada em uma enorme lona, que vai proteger a bagagem da chuva e da poeira. No interior do carro, vai tudo que é preciso para o dia, então fica tudo meio zoneado, porque é um tal de tirar casaco, botar casaco, mochila, garrafa de água, equipamento fotográfico e etc. Pouco espaço para esticar as pernas, todos concordaram comigo que o toyota era bem desconfortável e olha que ninguém dentro do carro passava de 1,70m. É insuportável? Não, é só cansativo, mas fizemos revezamento, pois os dois  lugares do fundo eram para quem mede 1,20. 


Apesar de contratarmos no Chile, os tours são feitos pelos bolivianos, ou seja, microonibus chileno e 4x4 boliviano. Não existe acordo que permita que os 4x4 possam ser feitos por chilenos porque 98% do circuito acontece na Bolívia e os bolivianos são irritantes, para usar um adjetivo sutil. De cara, nosso motorista que também é guia e cozinheiro, parecia ser um mala sem alça, super sistemático, meio ditador e ainda um tanto debochado, mas era cuidadoso com nosso "conforto", disponível, conversado. Foi super grosseiro quando perguntamos da possibilidade de parar na laguna colorada no dia seguinte, já que na tarde que fomos estava tudo muito nublado, alegando que o sol não havia sido contratado e dizendo que não ia rolar. Demos um gelo nele na hora do jantar e no dia seguinte ele estava mais maleável e deu uma paradinha. No fim, deu várias paradinhas, já que eu e uma outra somos aprendizes de fotógrafa e tentou ser o mais simpático possível. Chegando em Uyuni, ele nos deixa e passamos para outro carro, que nos leva de volta à fronteira com uma noite no meio em Villa Mar. E aí ferrou de vez. O cara era grosseiro na última escala, não fechou as janelas, nos deixando comer poeira todo o tempo, quando reclamos ele fechou a janela nos deixando assar vivos sem ligar o ar condicionado. Poderia ter parado ou pelo menos reduzido a velocidade em alguns pontos interessantes, mas nada fez. O mal humor foi unânime e no dia seguinte, após a noite no abrigo, o silêncio perdurou por toda a viagem. O silêncio e a poeira. Quando chegamos na fronteira, tínhamos que esperar o micro ônibus e o cara nos colocou pra fora do carro, em uma temperatura de graus negativos para limpar o carro, só conseguimos voltar depois de muito reclamar e quase precisamos botar os pés na cabeça, porque o infeliz ficou reclamando da poeira das nossas botas! O micro onibus que nos pega é o mesmo que deixa os turistas que vão começar o tour, ficamos olhando para as seis cabeças que iriam seguir com o antipático e deu uma pena enorme deles e aí agradacemos pelo mala sistemático que havíamos pego na primeira fase da viagem.


De uma forma geral, durante o tour, nos abrigos, nas tendas de artesanatos e com os guias, notamos que falta amabilidade com os turistas, são secos, antipáticos e grosseiros. O primeiro guia, que no fim consideramos o menos pior, chegou a responder "não está satisfeita, vai a pé" quando uma das meninas perguntou se não havia uma rota alternativa para chegar a um determinado ponto em que os cascalhos mais pareciam pedras gigantes. Uma outra vez que falamos do calor quando o ar estava desligado, respondeu "se está calor é porque está bom". Coisas que poderia até pensar, mas não poderia falar, já que o turismo é uma grande fonte de renda da região. Nos abrigos, o atendimento era muito indiferente. No hotel de sal, a menina quase jogou o prato na mesa, quando reclamamos do menu vegetariano que já estava avisado desde o momento que chegamos. No povoado do segundo dia, quase apanhei de um bêbado enlouquecido e desdentado que insistia que eu deveria pagar para fotografar as crianças, detalhe: que estavam sendo fotografadas com a anuência dos pais e se divertindo quando mostrávamos as fotos. Uma doideira!


E a pergunta que fica é: valeu a pena? Valeu e muito!!! O Salar é algo impressionante!!! São doze quilômetros quadrados de sal e tivemos a sorte de ter chovido no dia anterior, tanto que prejudicou a ida  à Isla del Pescado, mas a chuva proporcionou o fenômeno impressionante dos espelhos.  Antes de chegarmos à cidade de Uyuni, passamos pelo Cemitério de Trens, um outro lugar fantástico. Lá estão, a céu aberto, as antigas composições ferroviárias bolivianas. Durante a viagem, passamos por lagunas fantásticas, por esculturas naturais provocas pela erosão, geisers, montanhas e vulcões.  Mas como eu não sou muito boa com palavras, essa parte eu vou relatar com imagens. Cllique nos álbuns abaixo e, plagiando o maravilhoso Ricardo Freire, viaje na minha viagem.

 

 

 

 

 

 

 

 

DIA 01 - Começa a aventura
DIA 03 - O dia D
DIA 02 - Montanhas e Esculturas
DIA 04 - O retorno

Links:

World White Travel

Cordillera Traveller

Hotel Don Raul

Transfer Licancabur

 

Mais alguns comentários:

Se vai retornar à San Pedro, deixe a roupa suja e o que não será necessário no hotel que irá retornar. Não esqueça o chinelo, item muito necessário para o banho nos abrigos e uma toalha que também esqueci e passei  aperto me enxugando com uma camiseta de malha. Leve uma segunda pele e seu próprio saco de dormir, mesmo tendo cama nos abrigos, será sua garantia para se proteger do frio e dos fungos que porventura tenham por lá.

Para o salar, use muito protetor solar, óculos e boné. Não usei, né? E aí até meu couro cabeludo descascou. Beba muita água. Use botas e aquelas calças que se transformam em bermudas e vice versa, porque a temperatura é muito louca dependendo da hora e do local em que estiver. Aquela camisa que os surfistas usam com proteção solar é uma mão na roda. Leve coisas para beliscar. Na mochila de mão inclua Alivium (dor de cabeça da altitude), Plasil e Floratil.

Não deixe de provar a cerveja boliviana Paceña e as chilenas Kunstmann, Escudo e Austral.

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